FOTOGRAFIA COMO ARTE: UMA LONGA EXPEDIÇÃO




Benvindo a área de conteúdo do site do fotografo e educador Danilo Russo. O texto aqui apresentado foi  originariamente publicado no PhotoMag, blog de conteúdo do IIF – Instituto Internacional de fotografia.




Texto e pesquisa equipe IIF.

Toda a história do processo fotográfico é repleta de controvérsias.  Depois de muitas tentativas, processos e execuções bem sucedidos e não, em 1839, a fotografia foi, oficialmente, declarada uma invenção. E desde então, o seu papel dentro do cenário artístico vem sendo discutido. À época, publicações europeias e americanas exploraram o tema em um esforço para compreender a relevância e o impacto da novidade.
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Em meados do século XIX, a fotografia começou a se popularizar, o que levou a uma mudança de atitude em relação a esse meio de expressão. O aprimoramento da técnicas, entre 1840 e 1850 na Grã-Bretanha e na França, trouxe uma extraordinária série de experimentos e avanços técnicos e estéticos. Diante da rápida comercialização e popularização da fotografia nessas décadas, a ideia de que esse processo de reprodução de imagem poderia ser uma arte – e de que fotógrafos (vindos das classes sociais mais baixas) poderiam ser artistas – parecia absurda para alguns. O poeta francês, Charles Boudelaire, chegou a eleger a fotografia como “o inimigo mais mortífero da arte”. O crítico de arte inglês, John Ruskin, afirmou, por sua vez, que a fotografia “não tem qualquer relação com a arte, […] e jamais irá substituí-la . Com esse pensamento, a fotografia foi reduzida ao simples funcionamento do seu dispositivo técnico, capaz de registrar automaticamente as coisas do mundo, usando a luz. Disso surgiu o conceito de fotografia-documento: uma cópia mecânica do real que substituía o pincel do artista. O que predominava, até então, eram imagens geométricas, ainda inspiradas pela pintura, que enfatizavam as perspectivas renascentistas.

Algumas figuras notáveis rejeitaram essa visão ortodoxa, considerando a fotografia uma maneira de criar combinações complexas de imaginação e realidade. A mais famosa desses fotógrafos amadores foi  Julia Margaret Cameron (1815-1879), nascida na Índia de pai inglês e mãe francesa. Aos 48 anos de idade, ela começou a fotografar e, ao longo da década seguinte, criou uma obra extensa com pretensões exclusivamente estéticas. Julia utilizava foco diferencial, fantasias e, por vezes, objetos cênicos para criar retratos com as bordas desfocadas e tons quentes, assim como estudos de personagens inspirados em temas bíblicos, literários ou alegóricos. Sua convicção de que estava transformando a fotografia em arte era tão audaciosa que ela foi rotulada pela comunidade fotográfica como uma pobre excêntrica incapaz de utilizar os equipamentos que tinha nas mãos.

Para termos ideia dessa recusa em aceitar a fotografia como arte, na Exposição Internacional de Londres de 1862, por exemplo, a organização recusou-se a exibir fotografias na sala dedicada às obras de arte, expondo-as na seção destinada a equipamentos mecânicos.

Foi somente no final do século XIX que o papel da subjetividade na fotografia começa a ganhar uma legitimidade mais ampla. A partir da década de 1890, surge o pictorialismo. O movimento, que eclodiu na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos, uniu fotógrafos cuja ambição era produzir aquilo que consideravam fotografia artística. Seus adeptos davam às fotos um aspecto de pintura na ânsia de terem suas obras reconhecidas.

A fotografia pictorialista é caracterizada por técnicas e efeitos emprestados das artes gráficas.. As imagens resultantes, muitas vezes impressas em tons vibrantes e de aparência desfocada, nebulosa e onírica, pretendiam provocar reações estéticas, e não objetivas. Muitas das composições pictóricas invocavam a gravidade artística do simbolismo contemporâneo, como na fotografia A harpa eólica (1912), de Anne Brigman (1869-1950).

A figura mais envolvida no desenvolvimento da fotografia como arte foi Alfred Stieglitz (1864-1946), um nova-iorquino que possuía uma relação próxima com a Europa. Stieglitz dirigiria a revista Camera Work, que apresentava o que se fazia de melhor em termos de fotografia artística em todo o mundo. A terceira classe (1907), publicada na Camera Work em 1911, é geralmente considerada a primeira fotografia moderna.

A ideia de que a fotografia pudesse ter uma estética própria e se basear em qualidades específicas do suporte foi altamente sedutora para os fotógrafos artísticos americanos. Edward Weston, com suas naturezas-mortas e seus nus quase abstratos, e Ansel Adams, com suas líricas fotografias de paisagens, dominariam a fotografia artística nos Estados Unidos por décadas a fio.

Na Europa, a Primeira Guerra Mundial teve um impacto profundo na produção artística. Artistas insatisfeitos buscaram desenvolver métodos de expressão pictórica que pudessem exprimir a crise de fé nos valores tradicionais causada pelo conflito. As primeiras fotografias que invocavam o tempo, o espaço e outros conceitos abstratos, foram realizadas durante a guerra, e esse espírito de inovação radical inspirou a produção artística de vanguarda a partir da década de 1920. Como uma tecnologia moderna de cunho popular, a fotografia estava em ótima posição para assumir um papel central na arte de vanguarda. Esse meio de expressão – que então assumira a forma generalizada de imagens em “preto e branco” em prata – foi utilizado pelos dadaístas alemães em obras mordazes de crítica social; pelos construtivistas da União Soviética para forjar novos estilos pictóricos para uma nova sociedade; por surrealistas como Man Ray (1890-1976) em Paris, em seus chistes visuais e suas explorações do subconsciente; e por modernistas de todo o mundo para celebrar novas formas de arte e design. Ela passou a ser vista como o meio de comunicação visual ideal na era moderna.

Essa ampla utilização, no entanto, não garantiu à fotografia igualdade perante às outras artes. Em parte, isso devia-se à sua comercialização na forma de retratos de celebridades e ao seu uso na publicidade e na moda.

O Museum of Modern Art de Nova York (MoMA) foi a base ideológica do modernismo – a estética de vanguarda dominante na primeira metade do século XX, que incluía arte, design e arquitetura. O MoMA realizou uma importante exposição de fotografia em 1937 e, posteriormente, em 1940, inaugurou seu próprio departamento fotográfico. Contudo, o status da fotografia como arte ainda não estava assegurado. Foi somente com John Szarkowski (1925-2007), que assumiu o posto de curador fotográfico do MoMA em 1962, que a fotografia foi assimilada de forma mais eficiente ao modernismo. Segundo ele, a fotografia legítima era “direta” e democrática no que dizia respeito aos seus temas e possuía um forte componente formal. Fotografias não eram obra da imaginação, mas fragmentos da realidade pictoricamente organizados de modo a refletir um ponto de vista pessoal contundente.

E assim, com o pós-modernismo, a partir da década de 1960, as últimas barreiras são eliminadas, permitindo à fotografia explorar as possibilidades de expressão, aproveitando-se da expansão dos meios de comunicação e da consolidação da cultura de massa. As pressões sociais da época e as diversas ferramentas tecnológicas que surgem permitem o desenvolvimento de distintas correntes artísticas, como a pop art e o minimalismo, das quais a fotografia se beneficia.

Com a chegada do filme Kodachrome, em 1935, a fotografia em cores começa a se popularizar e, finalmente, ganha credibilidade graças, principalmente,  ao trabalho do norte-americano William Eggleston. Aqui, a fotografia assume o seu papel de codificação e significação cultural, vence o sentido utilitário da sua concepção e recebe o seu tão desejado reconhecimento no cenário artístico.

NO BRASIL

No Brasil, a fotografia como arte surge por volta de 1939, a partir da organização dos primeiros fotoclubes. Essa corrente viveu o seu apogeu entre as décadas  1950 e 1960, introduziu o modernismo à fotografia brasileira e revelou toda uma geração de influentes artistas, como Geraldo de Barros, Thomaz Farkas, German Lorca e Eduardo Salvatore. A produção era baseada na experimentação, com fotomontagens, colagens e intervenções diretas no negativo. Com grande influência do dadaísmo e do surrealismo, esses fotógrafos experimentavam justaposições e processos alternativos que abriam espaço para a livre interpretação do observador, permitindo significados múltiplos e desfazendo a ideia de fotografia como representação do real. Somando-se a isso, havia uma forte tendência de explorar as formas geométricas, através de linhas e diagonais, o que resultava em contrastes facilmente encontrados no cenário urbano.

O golpe militar de 1964 inibiu a fotografia  como forma de expressão e a fez voltar para o campo da fotorreportagem. Poucos artistas, como Anna Bella Geiger e Miguel Rio Branco, arriscaram-se a se expressar através de suas imagens nesse período. A retomada ocorreu na década de 1980, quando do processo de redemocratização, que serviu como um redirecionamento contemporâneo na arte de forma geral.

A partir dos anos 90, as ideias do pós-modernismo florescem no país e a cena artística começa a atestar a fotografia como expressão, incluindo-a no processo criativo. O tema passou a ser debatido no âmbito acadêmico, e, em 2002, o Ministério da Educação aprovou o primeiro bacharelado em fotografia, desenvolvido pelo Senac de São Paulo. Atualmente, temos cursos de graduação e de pós-graduação por todo o país, o que permite o surgimento de uma maior número de trabalhos artísticos embasados em pesquisas e estudos.

E ONDE ENTRA O FINE ART NESSA HISTÓRIA?

É nessa perspectiva que a origem da fotografia Fine Art é estabelecida. A expressão em si – Fine Art – é bem comum no meio fotográfico. Serve tanto para designar um processo de impressão altamente especializado quanto para referenciar o circuito de exposições fotográficas e o mercado emergente dos colecionadores de fotografia. No entanto, há mais uma aplicação para o termo: trata-se da prática da fotografia, sem cunho comercial, pautado exclusivamente pela experiência pessoal do autor, sendo caracterizada pelo tom fantasioso das produções.

Seguindo essa definição, descrever o surgimento desse estilo é tarefa bastante complexa, uma vez que a expressão raramente é usada em texto sobre fotografia contemporânea ou mesmo de história da arte. Os pioneiros do estilo não são simplesmente encontrados e o próprio termo, que se popularizou na era digital, aparece indiscriminadamente em diversos sites e redes sociais.

Dentre os fotógrafos que se auto denominam “fine art”, percebe-se que uma grande parcela deles trabalha com a construção de narrativas, têm como proposta principal da imagem contar histórias. Outro considerável grupo, também, é inspirado na pintura. Por último, nota-se, de maneira crescente, um alarmante número de fotógrafos que utilizam o termo, de forma completamente equivocada, para sofisticar seus trabalhos.

Prestando um pouco mais de atenção a esse contexto – considerando o uso adequado do termo – , é possível identificar parentescos e conexões com correntes melhor estudadas, o que permite um melhor entendimento da fotografia fine art no cenário contemporâneo.

Embora o termo seja comum, a aplicação desse estilo per se ainda sofre para ser compreendida. Fotógrafos de diferentes linhas de atuação estão, ao poucos, descobrindo e procurando se aprofundar nesse universo, porém a falta de uma fundamentação clara e de um referencial teórico sólido – especialmente no Brasil – dificultam o estudo e desvirtuam significados.